quarta-feira, julho 27

ve-la


é quando a luz cessa, quando a noite a faz sentir sozinha, que me procura
na escuridão.
as mãos que me buscam tocam paredes e móveis, cegas, até encontrarem meu corpo.
seus dedos me tocam, me sentem, me esquentam... me deixam momentaneamente, e o ruído produzido por um risco é gostoso aos ouvidos.
o calor me toca e me envolve, deliciando-me - está dentro e fora de mim.
seus lindos olhos são visíveis a todos mais uma vez - seus lindos olhos.
mas estamos apenas as duas ali. sou privilegiada por isso.
aqueço-a, me sinto querida, mas ela já não está ali. o toque se foi.
a chama que arde em mim não mais é das carícias, mas do que ela fez comigo enquanto me acariciava.
meu próprio fogo me consome, literalmente, me destruindo aos poucos
dói. a dor excruciante me toma por inteiro.
minha paixão me derrete, me machuca e me diminui - a troco de quê estou morrendo em mais uma noite escura?
algo muda no ambiente, mas a dor não me deixa entender o que é.
ela move-se vagarosamente pelo cômodo, cada vez mais perto de mim. estou a poucos centímetros de seu rosto agora, mas não posso tocá-la.
ela abre um sorriso delicado e delicioso, e meu fogo expande-se, iluminando suas bochechas.
esqueço a dor em sua companhia, e me derreto ainda mais rapidamente.
vou morrer! vou morrer de amor!
sua boca toma outro formato lentamente, preparando-se para um beijo.
minha chama é agora inquieta, diante dessa imagem. a quero mais perto, mais perto!
mas não é um beijo. é um sopro.
ainda atordoada, já morna e sem vida, me descubro inútil no cômodo iluminado.
suas mãos, agora ágeis e precisas, removem-me de meu altar recém-conquistado, me quebrando no ato.
estou menor e machucada quando sou posta de volta na gaveta. já fria, desolada e esquecida.
mas só penso nela. e mal posso esperar para ser lembrada outra vez.

#V

quarta-feira, julho 6

Acordo

acordo.
"acorda"
a casa é estranha
e vazia, exceto pela pessoa
que dorme.
"acorda"
não tem o que fazer
não se fala
pra que ela possa dormir
mas ela não pode dormir
"acorda"
"dorme"
"acorda"
acorda.

acordo.
outra cama
outro quarto
outra casa
mesma pessoa
que dorme.
"acorda"
mais silêncio
e a angústia pra não me mexer
não queria atrapalhar o sono dela
mas ela não podia dormir
eu estou aqui
"acorda"
"vai dormir"
"acorda"
acorda

desacordo
mas nem tinha
acordo

nem
nada

acordo
mais uma casa
minha casa
sem pessoa
sem ninguém
"acorda"
dessa vez, pra mim
a cabeça quer dormir, mas o corpo discorda

"acorda"

"acorda"

acordo
pra não mais querer cair
só que a gente cansa, né
e quando menos espera já tá "acorda"
de novo

xu

segunda-feira, julho 4

duas mãos


para cada mão, há uma mão
e duas mãos ficam sozinhas

as duas mãos são minhas
mas minhas as mãos não são

a mão acaricia a minha mão
minha mão acaricia a mão

as mãos tocam
as mãos são tocadas

o toque, sinto-o por inteiro

são minhas mãos
são minhas próprias mãos

o toque das mãos é inexistente
as mãos não se tocam
são mãos carentes

seria a mão que toca suficiente?
e a mão que é tocada, como se sente?

as mãos se tocam.
"são minhas mãos"
mas nenhuma delas me pertence
#V