sábado, julho 26

Ao desconhecido daquela vez

Andei pensando bastante em você e resolvi escrever uma carta, mas lembrei que não sei qual o número do seu prédio, nem onde fica o seu quarto, e fiquei triste pela lembrança, porque tudo é diferente desde você, mas não tem você no meu antes nem no meu depois, só no meu "aquela vez". Eu precisava lhe agradecer muito seria e sinceramente, porque você entrou naquele Rui Barbosa vazio e escolheu sentar ao meu lado. Preciso confessar que, bem antes que você me visse, eu vi você, e já senti as bochechas queimarem, pedindo a Deus que, por favor, te colocasse no mesmo banco que eu, apesar de, depois de uma espiada rápida, eu ter descoberto que só havia mais quatro pessoas ocupando o ônibus (sem contar, é claro, com o motorista e o cobrador). As esperanças eram tão vagas que eu quase desmaiei com a adrenalina que correu por minhas veias quando você sentou coladinho em mim. "Obrigada, Deus, mas... e o que eu faço agora?" Eu nunca na minha vida tinha puxado papo com gente desconhecida. Não assim, daquele jeito. Desejava bom dia a todos que encontrasse pela frente e não negava muitos favores a quem me pedisse, mas conversar, assim, sem aviso prévio? Durante aquele ano, minhas canetas Bic só duraram duas semanas, cada uma. Fiquei encarando a tinta azul na minha calça do uniforme, esperando que os desenhos e as frases fossem o suficiente pra você me achar legal, mas não conseguia parar de me mexer, revirando os cadernos, mexendo na minha mochila, nos cabelos, olhando pelas janelas... Fiquei observando seus gestos e suas atitudes, ainda fingindo não olhar. Você parecia tão ocupado quanto eu, revirando todo o conteúdo da bolsa-carteiro, folheando livros, consultando o relógio sem parar. Tem uma coisa estranha que acontece com a gente quando a gente quer falar. Um calorzinho frio que sobe pelo corpo e deixa a gente meio tonta, nervosa, sem saber bem o que vai sair da boca, mas com a certeza da necessidade que a gente tem de abrir a boca e deixar sair. Eu já tinha respirado fundo duas ou três vezes quando você revelou uma apostila de Alemão, e tenho certeza que você queria que eu visse que você a estava portando em mãos, porque sabia que você sabia que eu estava olhando para você quando demorou mais tempo que o necessário analisando a capa. Depois, passou uns 40s lendo uma página de exercícios totalmente aleatória, até eu me animar e perguntar se você estudava o idioma. A apostila foi desprezada tão depressa que eu até fiquei um pouco sem graça, porque o rumo da conversa mudou abruptamente para cursos de graduação. Eu estava esperando que você me ensinasse algo além do Saukerl que eu tinha aprendido recentemente com "A menina que roubava livros", mas acabei embarcando em uma discussão terrível sobre o meu futuro, e eu não queria falar mais sobre ele, mas você me fez falar. E disse que eu deveria cursar Medicina, para depois me especializar em Psiquiatria, como tantas pessoas antes me disseram que eu deveria fazer. Eu quase fiquei triste por essa sua atitude, mas deixei você falar, porque era incrível falar tanto com alguém que eu tinha conhecido no ônibus. Foi tão incrível que eu quase perdi o meu ponto, mas o encontrei a tempo, sorri, disse que tinha sido um prazer, e fiz tudo tão nervosa, porque não sabia se devia lhe beijar, ou abraçar, ou apertar a sua mão. Você ficou me olhando, meio sem jeito, e o tempo começou a parecer bem pegajoso depois que eu já estava de costas para você e a porta não abria. Foi quando eu saí, empolgadíssima, que eu me dei conta que não sabia seu nome. Nem você sabia o meu. Que mancada... Só que, depois daquela vez, resolvi falar mais. Sentar ao lado das pessoas, perguntar o que elas faziam para serem felizes, rir um pouco, descobrir maravilhas... Eu quase sempre esqueço de perguntar nomes, mas, às vezes, a pessoa com quem decidi partilhar um breve momento cotidiano lembra da cordialidade, sorri pra mim e descobre quem é Victoria. Há algumas pessoas realmente fantásticas por aí - outras, nem tanto -, mas queeia lhe agradecer por todos os "olá"s divertidos que já recebi. Não sei seu nome, não conheço a sua rua, mas sei quem foi você daquela vez, aquela que não teve passado, nem futuro - por enquanto. Quem sabe a gente se esbarra por aí! beijocolates, #V

terça-feira, julho 15

"explique a falta de meninas na minha vida"

Bem, eu não lhe conheço e nem espero que aceite o meu convite para o jantar, mas você vem se torturando com algumas perguntas cujas respostas você já tem. Não usarei a palavra "culpa" com você, porque sei que é um termo errado, negativo e desnecessário, principalmente se empregado em uma primeira conversa, mas vou ter que lhe dizer uma coisa: você procura um porquê, e não posso mentir, afirmando que desvendar causas é ato prazeroso.
Não sei quais são as suas intenções com todas essas meninas que faltam à sua vida, mas não posso lhe culpar se não teve coragem para dizer à amiga da sua prima quão nublado estava o dia - mulheres são caixinhas de surpresas, afinal.
Você gosta de surpresas?
Soube que você tem uma amiga. Talvez você tenha mais. Talvez não. Se você estiver procurando uma nova amiga, posso lhe dizer que é fácil encontrá-la. É possível que ela esteja lendo um livro interessante quando acontecer, e você vai poder perguntar a ela se vale a pena gastar seus olhos com letras tão miúdas. Caso seja só uma enciclopédia chata de Economia, vocês poderão rir sem ter que fingir que lamentam você ter interrompido a leitura. Conversem, mantenham o contato e lá estará: mais uma amiga para a coleção.
Se amigas não são problema e você as tem em número significativo, mas questiona a inexistência de uma namorada, eu peço que tome cuidado. É muito bom ter amigos, é verdade.
Uma namorada exige um pouco mais de dedicação... Preciso que preste atenção e tome cuidado, para não cometer os mesmos erros que eu. É bom ter amigos, mas que tipo de amigo é você? Porque, se é o amigo confidente que passa horas ao telefone com alguma amiga cujo relacionamento está em crise, começo a me preocupar com as causas que você estava procurando...
Sabe? Eu não acredito nessa coisa de "friendzone", acredito em atração. Se alguém atrair sua atenção, não importa se vocês se tornam amigos mais tarde ou não, aquele alguém continua sendo atraente a seus olhos - a menos, é claro, que a amizade revele defeitos e modos que não lhe agradam por nada. Desenvolver no outro um interesse por você pode até ser complicado, mas ser o conselheiro amoroso da pessoa em questão não anula qualquer obstáculo.
Enquanto você lê esse texto, milhares de garotas espalhadas pelo planeta reclamam da falta de garotos em suas vidas. Você acha que eles realmente estão em falta? Se existem tantas meninas procurando meninos e tantos meninos procurando meninas, por que eles não conseguem se encontrar?
Olhe bem para mim: nos conhecemos? Posso parecer familiar, não já nos vimos antes?
Saia de casa. Passeie pelo parque, conte quantas garotas cruzam seu caminho e, quando entrar em casa, me dê o número. Dez? Mais? Com quantas você falou?
Não culpe as estrelas, não culpe os planos de Deus, não culpe o destino, não se culpe - não há culpa. Mas há responsabilidade. Não há sentido em lamentar-se da cegueira, quando é opção sua não enxergar. Experimente abrir um dos olhos e, se gostar do que vê, experimente abrir os dois. Deseje bom dia para a próxima garota em quem esbarrar, sorria para uma outra que espere tediosamente sua vez de ser atendida, pergunte que horas são à que está olhando distraída pela janela do ônibus e pergunte àquela do livro chato de Economia se ela quer tomar um sorvete. Por que não? Se permita ver, observe as cores, sinta o sol incomodar, imagine outras paisagens e, quando quiser a fechar os olhos, se permita repousá-los. Lhe peço, apenas, que não tenha medo de voltar a abri-los.

"Só sei que, mesmo quando o destino precisa se cumprir, ele não pode fazer isso sozinho." - Ironias do Amor

Beijocolates,
#V