quarta-feira, outubro 28

Não sou gorda

   Ultimamente, tendo muito mais contato do que o de costume com o ponto de vista de pessoas que em alguma altura da vida já foram tidas como 'gordas' pela sociedade devido a um blog que passei a ler, venho percebendo a relação dessa minoria com todas as outras (coisa que eu não percebia antes pela falsa noção de que pessoas acima do peso estão assim por opção). *e mesmo que fosse opção, não deveria ser condenada*
(fonte: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2014/03/vitimas-da-gordofobia.html)

   Percebo então as gordofobias diárias que antes me eram invisíveis, assim como passei a perceber os machismos, racismos, as homofobias e a cultura do estupro depois que parei para prestar atenção em falas, músicas, filmes, olhares e em tantas outras sutilezas que agem como alfinetadas na moral de quem as sofre.
   Engraçado como as pessoas se acham no lugar de opinar sobre o que faz bem ou mal para você, independente de você poder/querer ou não mudar essa realidade. Quando me diziam que ser gay era arriscado e eu poderia ser vítima de violência, não me fez menos gay. Infelizmente, por vezes já me fez ressentir o fato antes de me aceitar completamente, mas eu não deveria ter passado por um processo para poder me aceitar, isso deveria ter vindo naturalmente, sem negação ou constrangimento, e vejo claramente como isso se aplica a todas as outras minorias, excluídas e marginalizadas.
   Então me vejo numa posição de analisar o que eu mesma já fiz que pode algum dia ter marcado negativamente outras pessoas (sinceramente, não foram poucas as vezes que soltei alguma merda verbal sem pensar), e caio nas trocentas falas de "tô tão gorda" que já proferi, e aí está a questão toda.
   Para alguém trans, ouvir alguém cis dizer ser trans é revoltante; sendo lésbica, ouvir alguém hétero falar que é gay incomoda e, igualmente, imagino que, como gorda, ouvir alguém magro dizer que está com sobrepeso deve ser o mesmo saco. Essas pessoas que não se encaixam na minoria, mas usam do rótulo como se não significasse nada (não vou entrar agora no mérito de discutir os lados positivos e negativos dos rótulos), ofendem por diminuírem o sofrimento e as provações associadas ao grupo.
   Posso estar insatisfeita com meu corpo vez ou outra, como todo mundo tem o direito de estar (assim como todo mundo tem o direito de não estar, independente do que falem), mas acho que devo dizer também que não sou gorda. Nunca passei por situações constrangedoras no ônibus envolvendo a catraca ou recebi olhares feios quando sentei ao lado de alguém, ninguém nunca me aconselhou a ir para um spa ou disse que se eu perdesse um pouquinho de peso talvez eu arranjasse uma namorada. Ninguém esqueceu que eu posso sim escolher com quem eu fico ou deixo de ficar numa festa se alguém indesejado tentar algo comigo e, o mais importante, ninguém esqueceu que eu posso gostar de mim mesma do jeito que estou, sem tirar nem por.
  Vivemos num período que vejo como maravilhoso, no qual as pessoas estão abraçando suas individualidades e permitindo as individualidades alheias, mesmo que isso não ainda ocorra em escala global. O "legal" agora é ser você, se aceitar e promover a aceitação do próximo. É se colocar nos sapatos do vizinho e entender que ele tem o direito de viver sem amarras. Promovamos esse movimento, sejamos amor.
   

  xu

segunda-feira, março 30

Sem Vergonha

Todos já ouvimos os ensinamentos de Gonzaguinha, cantando junto à melodia: "viver e não ter a vergonha de ser feliz", não é verdade? E muitos de nós vibramos com essa música, já feliz por sabermos que podemos ser felizes sem qualquer peso de consciência moral. Podemos mesmo? Afinal, cada um é feliz a seu próprio modo e, se ser feliz é algo tão subjetivo, quando cantarolamos esse trecho, a que vergonha nos referimos?
VERGONHA DE QUÊ?
Esse sentimento que nos paralisa, de vez em quando, e nos faz corar, constrangidos, tem uma fonte interessante, o conceito de certo e errado. É engraçado como damos valor a esses conceitos, preocupados com o que os outros irão pensar de nossas "boas" maneiras. Mas, afinal, quem disse o que era bom e o que era ruim?
Geralmente, pensamos que tem de que se envergonhar quem não sabe manusear bem os talheres, ou quem gosta de sexo sem compromisso, ou quem não conseguiu ser aprovado na prova trimestral. É verdade, nos envergonhamos quando não atendemos aos apelos da sociedade padrão, moralista e hipócrita.
Mas são só os "errados" que sentem-se intimidados?
Observei um pouco a postura de meus amigos diante de alguns assuntos e descobri que não trata-se apenas de fazer coisas "feias". Descobri que um religioso pode ficar bem quietinho, com medo que julguem-no pela sua fé. Descobri que quem não gosta de Coca-Cola pode bebê-la chorando por dentro, sentindo a garganta arder, só para não contrariar a companhia. Descobri que quem gosta de indagar sobre o sentido da vida corre o risco de tornar-se mais um tolo, por inibir a prática, só para não afastar ninguém com um papo "chato".
O que há para se envergonhar em gostar de beijar na boca, não querer se embriagar, admirar Freud, entender aborto como assassinato, acreditar no amor, ir à igreja aos domingos e questionar verdades populares?
É vergonhoso não beijar na boca e olhar torto quem beija. Fazer careta para quem recusa uma dose de tequila, revirar os olhos ao ouvir um argumento contra o aborto, rir de uma declaração amorosa, ridicularizar um compromisso com a igreja, mandar alguém calar a boca quando começa a aprofundar o tema da conversa... Isso, sim, é algo de que vale a pena se envergonhar.
Todos somos diferentes uns dos outros, e jamais nos encaixaremos em qualquer padrão. Nem no "certo", nem no "errado", ou "preto", ou "branco", ou "sério" ou "risível". Nossas qualidades devem ser compreendidas, e respeitadas, mas não tomadas como "aprováveis" ou "reprováveis".
Há um motivo para cada um ter chegado onde chegou e da forma que chegou. Um vegetariano tem motivos para fugir de um filé com fritas, e um conservador tem motivos para não adotar a poligamia, mas esses motivos, que, em um tribunal, lhes serviria como argumentos de defesa, não podem, de modo algum, justificar um ataque.
É fácil reconhecer a vergonha no rosto de quem ultrapassa paradigmas sociais, mas ela domina todos nós. Porque dependemos do outro e do juízo que o outro faz de cada um de nós - se minha roupa está "legal", se meu cabelo está "okay", se minhas olheiras foram "bem cobertas por maquiagem", se meus tópicos de conversa são "interessantes"...
Não podemos esquecer, porém, que o "outro", na verdade, é só mais "um", como nós. Tem suas características próprias, seus desejos e seus receios, assim como todo o resto do mundo, e, embora nos faça caretas, é só isso que nos pode fazer. O mais quem faz é você, se ceder à pressão - e fique firme! Não esconda o seu rosto, nem a si mesmo. Não imponha seus valores aos outros, mas imponha-os a si mesmo. Vista seus ideais, seus hábitos, suas razões, com orgulho, e defenda o que está vestindo. Só não ridicularize quem escolheu uma outra coisa pra vestir - não seria justo, afinal, pedir que o entendam, quando não entende os outros.

Só eu sei onde meu sapato aperta e, se eu quiser trocar as minhas sandálias de salto-alto novinhas por um All-Star surrado, não tente me impedir.

Beijocolates,
#V

terça-feira, fevereiro 3

[EL]-es

Ela guardou
Ele deu

Ela prendeu
Ele soltou

Ela teve medos
Ele teve sonhos

E agora, o quê?

Há sorrisos em ambos os rostos
Sorrisos diferentes

Ela parece ter mais olhos
Ele parece ter mais dentes

Curioso, curioso

E o amor que aflorou num
Desabrocha em outro

Outro, mesmo
Não mais aquele

E tudo ficará bem
Não tenha dúvidas quanto a isso

Ainda que um não faça o bem
Que o outro fazia a um

Porque essa coisa de amar
Revigora e permanece
Quentinha no coração

E ainda que lhe digam "não"
A ele, seu coração
Não se preocupe, que a vontade sincera só cresce

Pois o amor não reconhece
Essa historia de "diminuir"

Beijocolates,
#V

segunda-feira, janeiro 19

Cor-de-dois

Dizem que o nome da cor não é igual ao da fruta - tem que fazer referência à fruta quando não é dela que a gente tá falando. É "cor-de-laranja", se a Laranja não estiver presente. Nada mais nesse mundo - nada além dos bagos suculentos e cheios de vitamina C -, teria o direito de tomar aquela tonalidade para si ou alegar que é mais sua que de qualquer outrem.
Pois bem. Naquela noite, a Lua foi ousada o suficiente.
Ninguém esperaria uma postura como essa vinda de um astro tão terno e conhecido, pois não era rotineiro tê-lo como ladrão - talvez roubasse do Sol um pouco mais que a quantia ofertada de brilho em ocasiões especiais, mas uma cor?
Apesar das evidências, porém, não sei se posso classificar o sequestro como um crime, porque a voz da contrariedade não se fez ouvir.
O mar respirava calmamente, tomando e devolvendo ondas; fazendo a água molhar a areia fina e já úmida da praia. Ele refletia a maravilha que acontecia sobre si, em meio ao breu noturno, e tudo mais refletia o delito fantástico: o mar, as nuvens, as estrelas, o sorriso dos dois e o calcário sob seus pés. Envoltos em um abraço, sentiam a cor invadi-los, vibrante e harmoniosa, enquanto espalhava-se por aquele céu nublado de dezembro.
A Lua estava baixa e volumosa. Calada, contemplava os olhares que a admiravam compassivamente. Ela tinha uma remota consciência da própria beleza, mas estava extasiada com cada abraço iluminado por uma cor própria... a cor-de-dois.

Beijocolates,
#V