segunda-feira, março 30

Sem Vergonha

Todos já ouvimos os ensinamentos de Gonzaguinha, cantando junto à melodia: "viver e não ter a vergonha de ser feliz", não é verdade? E muitos de nós vibramos com essa música, já feliz por sabermos que podemos ser felizes sem qualquer peso de consciência moral. Podemos mesmo? Afinal, cada um é feliz a seu próprio modo e, se ser feliz é algo tão subjetivo, quando cantarolamos esse trecho, a que vergonha nos referimos?
VERGONHA DE QUÊ?
Esse sentimento que nos paralisa, de vez em quando, e nos faz corar, constrangidos, tem uma fonte interessante, o conceito de certo e errado. É engraçado como damos valor a esses conceitos, preocupados com o que os outros irão pensar de nossas "boas" maneiras. Mas, afinal, quem disse o que era bom e o que era ruim?
Geralmente, pensamos que tem de que se envergonhar quem não sabe manusear bem os talheres, ou quem gosta de sexo sem compromisso, ou quem não conseguiu ser aprovado na prova trimestral. É verdade, nos envergonhamos quando não atendemos aos apelos da sociedade padrão, moralista e hipócrita.
Mas são só os "errados" que sentem-se intimidados?
Observei um pouco a postura de meus amigos diante de alguns assuntos e descobri que não trata-se apenas de fazer coisas "feias". Descobri que um religioso pode ficar bem quietinho, com medo que julguem-no pela sua fé. Descobri que quem não gosta de Coca-Cola pode bebê-la chorando por dentro, sentindo a garganta arder, só para não contrariar a companhia. Descobri que quem gosta de indagar sobre o sentido da vida corre o risco de tornar-se mais um tolo, por inibir a prática, só para não afastar ninguém com um papo "chato".
O que há para se envergonhar em gostar de beijar na boca, não querer se embriagar, admirar Freud, entender aborto como assassinato, acreditar no amor, ir à igreja aos domingos e questionar verdades populares?
É vergonhoso não beijar na boca e olhar torto quem beija. Fazer careta para quem recusa uma dose de tequila, revirar os olhos ao ouvir um argumento contra o aborto, rir de uma declaração amorosa, ridicularizar um compromisso com a igreja, mandar alguém calar a boca quando começa a aprofundar o tema da conversa... Isso, sim, é algo de que vale a pena se envergonhar.
Todos somos diferentes uns dos outros, e jamais nos encaixaremos em qualquer padrão. Nem no "certo", nem no "errado", ou "preto", ou "branco", ou "sério" ou "risível". Nossas qualidades devem ser compreendidas, e respeitadas, mas não tomadas como "aprováveis" ou "reprováveis".
Há um motivo para cada um ter chegado onde chegou e da forma que chegou. Um vegetariano tem motivos para fugir de um filé com fritas, e um conservador tem motivos para não adotar a poligamia, mas esses motivos, que, em um tribunal, lhes serviria como argumentos de defesa, não podem, de modo algum, justificar um ataque.
É fácil reconhecer a vergonha no rosto de quem ultrapassa paradigmas sociais, mas ela domina todos nós. Porque dependemos do outro e do juízo que o outro faz de cada um de nós - se minha roupa está "legal", se meu cabelo está "okay", se minhas olheiras foram "bem cobertas por maquiagem", se meus tópicos de conversa são "interessantes"...
Não podemos esquecer, porém, que o "outro", na verdade, é só mais "um", como nós. Tem suas características próprias, seus desejos e seus receios, assim como todo o resto do mundo, e, embora nos faça caretas, é só isso que nos pode fazer. O mais quem faz é você, se ceder à pressão - e fique firme! Não esconda o seu rosto, nem a si mesmo. Não imponha seus valores aos outros, mas imponha-os a si mesmo. Vista seus ideais, seus hábitos, suas razões, com orgulho, e defenda o que está vestindo. Só não ridicularize quem escolheu uma outra coisa pra vestir - não seria justo, afinal, pedir que o entendam, quando não entende os outros.

Só eu sei onde meu sapato aperta e, se eu quiser trocar as minhas sandálias de salto-alto novinhas por um All-Star surrado, não tente me impedir.

Beijocolates,
#V